Etanol brasileiro tem reconhecimento no mercado internacional

Setor comemora a nova visão ambiental sobre o combustível que é importante matriz energética brasileira


23/02/2010 00h00

O setor sucroenergético brasileiro obteve uma importante conquista internacional com a classificação, pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), do etanol de cana-de-açúcar como “biocombustível avançado” – 61% de redução de gases de efeito estufa quando comparado com a gasolina, contra 21% do etanol de milho. O assunto mereceu uma significativa e relevante repercussão na mídia, com oportunas reportagens em diversos veículos. Tomamos a liberdade de selecionar duas delas (publicadas pela Exame e O Estado de São Paulo)

 

 


UM LOBBY EXEMPLAR
Por ANA LUIZA HERZOG
 
O Brasil sempre teve um notório problema para se vender no exterior. É verdade que a escolha do país para sediar a Copa do Mundo e a Olimpíada e o bom momento da economia têm nos ajudado, mas, com exceção de grandes companhias, explorar o mercado global continua sendo um enorme desafio para a maior parte das empresas brasileiras. Talvez o setor mais prejudicado seja aquele em que o país é efetivamente líder: o agronegócio. Fala-se pouco da excelência brasileira na produção de papel e celulose, mas muito no embargo da União Europeia à carne produzida aqui. Fala-se muito da expansão da agricultura brasileira, supostamente à custa de áreas florestadas, e pouco dos avanços notáveis dos cientistas daqui em uma cultura essencial como a soja, para ficar apenas em um exemplo. É por isso que a conquista obtida pelos plantadores de cana do país, em meados de fevereiro, deve ser admirada e apreciada. Com método, rigor e persistência, o lobby brasileiro do etanol conseguiu provar cientificamente que o biocombustível produzido com cana-de-açúcar é muito menos danoso ao meio ambiente do que seu competidor direto, feito de milho. Aqui já se sabia disso há muito tempo. Mas agora essa verdade conta com o carimbo da Environmental Protection Agency (EPA), órgão americano que seria comparável ao Ibama, mas que é muito mais eficiente e poderoso. Ainda falta acontecer muita coisa, lá e aqui, para que o biocombustível brasileiro cumpra a promessa de conquistar os mercados mundiais. Mas essa "promoção" chancelada pela EPA era uma condição necessária - e uma mostra de que a indústria do etanol atingiu um novo patamar de organização.
 
Pela nova classificação da EPA, o etanol de cana é um biocombustível "avançado", e o de milho, convencional. A decisão é tomada de acordo com a redução de emissões de CO2 de cada tipo de combustível em relação à gasolina (veja as categorias no quadro desta página). Esse recálculo das emissões importa porque é ele a base para a política do governo americano para a redução do uso do petróleo. Metas já estabelecidas determinam que 15% dos combustíveis de origem fóssil sejam substituídos por produtos de origem renovável até 2022. Ou seja: o mercado de renováveis, que hoje é de 42 bilhões de litros, vai saltar para 136 bilhões de litros ao fim desse período, e uma boa parte desse volume está reservada para a categoria de combustíveis avançados. Cada galão (equivalente a 3,78 litros) de etanol brasileiro ainda tem de pagar - e terá de pagar por um bom tempo, diga-se - uma sobretarifa de 54 centavos de dólar. O que os executivos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), associação que reúne as empresas do setor, perceberam é que a briga contra esse protecionismo seria mais fácil com o endosso da EPA. Começava então ali um árduo trabalho de lobby para conquistá-lo.
 
A ESTRATÉGIA - que pode ser chamada de marketing, sem muito exagero - ficou a cargo do paulista Marcos Jank, de 46 anos. Engenheiro agrônomo, ex-professor universitário e exconsultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Jank chegou à Unica em junho de 2007. Logo ao assumir, anunciou que para defender com propriedade seus interesses nos Estados Unidos a entidade deveria estar no país. "Sabia que não ganharíamos nenhuma batalha se ficássemos dentro de uma sala em São Paulo, reclamando", afirma Jank. Ele tomou então a decisão de montar um escritório em Washington, onde estão a EPA e as demais instâncias de tomada de decisão do país. O passo seguinte foi encontrar alguém bem relacionado na cidade. Em Washington, encontrar um lobista à procura de uma causa e um bom salário não é exatamente um problema. O que dificultava a busca é que a entidade também precisava de alguém que conhecesse bem o Brasil e nutrisse simpatia pela causa do etanol. A conjunção de todas essas qualidades foi encontrada em Joel Velasco, um americano nascido no Mississippi, filho de pais missionários brasileiros, que morou até os 13 anos em Anápolis, no interior de Goiás.
 
Velasco, que tem hoje 37 anos, sempre esteve próximo do Partido Democrata, ou, mais precisamente, perto da cúpula democrata. Começou sua carreira com um estágio na Casa Branca durante o primeiro mandato do presidente Bill Clinton. Emendou um emprego como secretário pessoal do ex-vicepresidente Al Gore e, aos 27 anos de idade, retornou ao Brasil para trabalhar na embaixada americana. Até aceitar o convite da Unica, em setembro de 2007, Velasco era vice-presidente da Stonebridge International, consultoria de lobby e de estratégia empresarial que tem entre seus fundadores Samuel Berger, durante anos um dos principais assessores de Clinton para segurança nacional. Logo que começaram a trabalhar juntos, Jank e Velasco perceberam que seria inútil tentar articular qualquer ação contra a tarifa do álcool. Não haveria tempo para isso: ela seria renovada em alguns meses. Na mesma época, porém, foram anunciadas as políticas de metas de redução de uso de gasolina e de reclassificação dos biocombustíveis. Foi aí que a Unica mudou de alvo.
 
Por meio de contatos no Congresso e na própria EPA, Velasco logo descobriu que a questão não envolveria meramente convencimento político. O ataque teria de ser técnico. O método usado pela agência para avaliar o impacto ambiental dos biocombustíveis era desfavorável ao Brasil. Os dados usados nos cálculos continham imprecisões ou mesmo informações erradas. A saída foi articular um grupo de cientistas e especialistas brasileiros respeitados para convencer os colegas americanos a promover correções no modelo de avaliação. "Eles sabiam muito pouco sobre o nosso modelo agrário", diz o engenheiro agrônomo André Nassar, diretorgeral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). As contas da EPA desconsideravam, por exemplo, o fato de que a pecuária no Brasil ainda é essencialmente extensiva. Com ganhos de produtividade na criação do gado, há espaço para o avanço da cana sem a necessidade de desmatamento. Nassar e uma equipe de três profissionais ajudaram a Unica nas discussões sobre uso da terra.
 
OUTRA FRENTE DE DISCUSSÕES com a agência reguladora foi conduzida pelo pesquisador Isaias Macedo, professor aposentado do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e da Unicamp, hoje considerado um dos maiores especialistas em cultivo de cana do país. Macedo se incumbiu de negociar com a EPA a correção de distorções no cálculo das emissões diretas provocadas pelo etanol em todo o seu ciclo de vida - do plantio da cana ao uso nos veículos. Macedo diz, sem constrangimento, que alguns dos erros que encontrou eram primários. "Eles calcularam que os navios que levariam o etanol para os Estados Unidos simplesmente voltariam vazios para o Brasil", afirma. Enquanto os pesquisadores se encarregaram dessas questões técnicas, Velasco cuidou para que nenhum tropeço atrapalhasse as chances de obter o sinal verde da agência. No ano passado, entre os meses de maio e setembro, a EPA abriu formalmente o processo para consulta pública. Velasco conta que enviou os documentos da Unica com as sugestões de alteração no modelo apenas no último dia, no último minuto permitido pela agência. "Não podíamos correr o risco de que ele fosse contestado pelo pessoal do lobby do etanol de milho." Funcionou. Mas a briga não ficará mais fácil. Em 2009, somente nos gastos oficialmente declarados no Congresso americano, conforme determina a lei do país, o lobby do milho movimentou oficialmente em Washington algo como 4 milhões de dólares - ante 40 000 dólares da Unica. "Estamos convictos de que não existe uma fórmula mágica", afirma Velasco. No ano passado, ele participou de mais de 80 eventos nos Estados Unidos para propagandear o etanol brasileiro. Se o biocombustível brasileiro tem alguma chance de romper as barreiras do maior mercado do mundo, Velasco ainda terá de acumular muitos pontos em seu cartão de milhagem.


CERTIFICADO DIGITAL - RÁPIDO, FÁCIL E SEGURO É CDL!